quinta-feira, 13 de novembro de 2008

A menina vestida de Ray-Ban



Ela anda folgada pelas ruas da cidade vestida simplesmente com os mesmos óculos Ray-Ban. Não interessa sua bolsa xadrez tira-colo, sua bermuda curta de jeans escuro e a blusa negra que retém o calor do sol ardente. Seu pisar não é firmado apenas pelas sandálias de couro ou a batata da perna torneada pela musculação. Ela tem um rebolado macio, que parece modelar a passarela de um evento de verão. Mas nada disso teria charme se não fosse aquele velho Ray-Ban.

Ela ganhou o acessório de um ex-namorado, antigo (o namoro) e retrô (o rapaz), assim os dois, como aquele velho Ray-Ban. Ele viera de terras distantes acompanha-la em viagem de longos anos para buscar a glória do “eu lírico” da moça guardiã. No meio do caminho, os olhos dos dois se perderam por um instante. Ela, com suas pupilas escuras atrás do “filtro” esverdeado e ele, sem proteção ocular. Distantes um do outro, buscaram reflexos de outros raios solares e viram que o mundo e seus habitantes tinham “vistas” de pontos diferentes.

Assim, a moça continuou vestida com seu mesmo Ray-Ban. A armação amassada e a lente arranhada não tiravam o charme semelhante a um delegado, xerife de cidade norte-americana, funcionário da aviação civil, caminhoneiro, gerente de jogo do bicho. Tudo assim, no masculino, para dar um peso másculo e virilidade dessa grife ocular nascida nos 30. E mesmo assim, no “machismo” de mulher forte, ela ainda arrancava um suspiro alongado - Hmmmmm.............dos playboys ou mesmo o “GOSTOSA” dos pedreiros da construção da vizinhança. Tudo isso existia quando a menina vestia o seu velho Ray-Ban.

Ela se imaginava na pele de uma atriz de novela. Lembrava a cena em que Maria Clara Diz – La poderosa Celebridade – que passeando pela praia é abordada por um paparazzi que lhe faz uma pergunta indecorosa. E com seu charme fluminense potencializado pelos seus modernos óculos Ray-Ban, Maria Clara xinga aquele ser abominável “reportezinho de imprensa marrom.” A cena inebriante só não é mais gozada do que a fantasia de ser ela o par romântico Tom Cruise a cruzar o céu em Top Gun – Ases indomáveis.

“Essa menina”, diziam todos, não seria a mesma sem os seus óculos Ray-Ban. Não sustentaria o brilho do mundo, nem o peso dos olhos dos outros ou mesmo o reflexo das suas retinas desvairadas. O acessório faz parte da rotina dela e é próprio da personalidade dela. Os óculos teriam menos sucesso se não fosse essa menina a usar o velho Ray-Ban. Não a marca, eu diria, mas o seu amassado e arranhado ‘velho Ray-Ban’.

terça-feira, 4 de novembro de 2008

Na turma dos meninos


Sempre me perguntei por que a turma dos meninos é sempre a mais engraçada. Homem sempre curte a vida de uma maneira diferente. Eles sempre estão em grupo aos sábados durante a tarde jogando futebol, tomando cerveja no boteco ou mesmo brincando na sinuca. Estão sempre conversam sobre futebol, política, falam de economia, carros, piadas de mau gosto. Nascer com o sexo masculino deve ser muito bom... pelo menos é o que dizem por aí.

Enquanto eles se divertem a gente está no salão de beleza. Corta cabelo, puxa e faz escova. Aquele calorão que ninguém agüenta. Depois a seção tortura das depilações, arranca daqui e acolá. Às vezes os pelinhos inflamam... que horror! Quando é a virilha ainda existe aquele inconveniente de ficar despida para uma pessoa que você nem conhece. Coisa que só o ginecologista faz conosco. Aguarda a manicura com as unhas que estão lindas sem nenhuma bolinha no esmalte.

Mas o pior dessa seção “dia de beleza” são as conversar criativas. As revistas de beleza, moda, comportamento com 69 dicas para “deixar seu amor louco na cama” e outros 49 testes que dizem se ele é fiel ou não. As matracas divagam sobre programas de auditório, novos tratamentos capilares, capítulos de novelas e as roupas da estação. Tudo isso para estar linda quando o “mor” chegar.

Ele chega quase bêbado. No bar e com os amigos te dá um beijinho para dizer que existe. Pra não ficar sem graça é bom chegar perto do clube da Luluzinha. Fico tonta com aquelas moças loiras, bebendo e disputando atenção com gritinhos e adjetivos no diminutivo. O barulho das pulseiras no braço que mais parecem um mostruário. Isso sem falar naqueles famosos brincos de “strass”. Parecem modelos fotográficos.

Aff! Se eu fosse homem com certeza seria gay, mas sem a parte dos assuntos intelectuais. Um casal masculino tem a propensão de ter renda maior do que dois heterossexuais. Sem falar naquela bobagem do “vamos ter um filho”. Com seis bilhões de habitantes o mundo “ta” precisando mesmo é que se adotem muitas criancinhas.
Me perdoem as amigas por esse breve desabafo que não as atinge. Nossos cérebros têm testosterona demais pra ficar pensando nesses assuntos de mulherzinha clichê.

quarta-feira, 29 de outubro de 2008

Se quiser ler, compre o jornal amanhã I



Hoje vou começar uma tentativa de deixar esse blog menos clichê. Tudo bem que de vez em quando eu fico de TPM ou dor de cotovelo e descarrego meus sentimentos de mulher-zinha desamparada. Mas é o fim (ou o começo dele). Porque ninguém está mesmo interes-sado nas coisas que eu escrevo. (Eu também nunca mostrei esse blog pra ninguém).

Hoje vou devagar uma das minhas maiores irritações como jornalista. Odeio quando al-guém pede para ler a matéria antes de publicar. Acho que deve ser o mesmo que pedir para o cantor do bar mandar “um parabéns à você”. Faço, mas com muito desagrado.

Um dia desses entrevistei um artista plástico. Matéria ao estilo perfil – nome, ida-de, profissão, o que mais gosta de fazer, o que pensa do mundo, se deseja a paz mun-dial. No final da entrevista ele me pediu para ler. Antes de responder perguntei se ele havia tido algum problema com jornalistas. Ele disse “não”. Nesse dia encaminhei o material. Não sei se ele achou bom ou ruim, porque ele não se deu ao trabalho de responder.

Li recentemente uma entrevista na Folha de São Paulo com a atriz Luana Piovani. An-tes da conversa a assessoria de imprensa dela impôs as seguintes condições: - ela da-ria a entrevista de cinco minutos durante uma seção de massagem capilar; ela também exigia uma cópia de todas as anotações do jornalista. O repórter levou dois grava-dores e deu uma das fitas para atriz. Percebendo que não era conversa “ti-ti-ti” a artista também permitiu que o papo prolongasse até uns 40 minutos e a matéria ficou bem legal.

Evidentemente que a Luana Piovani já deve ter lido inúmeras vezes suas frases distor-cidas em capas de revista de fofocas. Não tiro o mérito imaginário desses falsários. Assim eles vivem – vendendo o “ibope” de alguém. E acho que a Luana Piovani foi bem espertinha ao pedir a cópia da entrevista, assim ela tinha ao pé da letra o que fa-lou para o jornalista.

Acho legal receber críticas, mas algumas fontes são muito exageradas. Não dá pra tra-duzir tudo ao pé da letra. É preciso achar sinônimos mais populares. Se a gente não nivelar por baixo pouca gente vai ler até a última linha. No mais, existem realmente profissionais picaretas e se “vc fonte” identificar algum deles, feche as portas e diga que não dá entrevista para mídia columbina.

domingo, 21 de setembro de 2008

Encontro marcado


Morena, de olhos castanhos, altura mediana, magra, solteira, jornalista procura olhares recíprocos que lhe promovam choques emocionais. Pesquisa em notícias de jornais e artigos de inimigos do estado. Bares de cerveja barata freqüentado por amigos de faculdade. Prestadores de serviço que aceitem ticket alimentação e vale transporte. Procura-se um emprego que recuse aparências padronizadas. “Cantantes” de tango que componham tragédias cômicas de amores despedaçados.

Procura-se presidentes sem constelação. Passagens de trem para qualquer canto do mundo. Notícias populares, casos de adultério e assassinatos de políticos corruptos. Filhos abandonados em escolas diariamente. Humores sarcásticos, ácidos e temperados com pó de Nissin Miojo. Procura-se informações sobre as guerras da África e textos que falem do povo australiano.

Deseja-se um bolo de aniversário com 25 velinhas para 100 pedidos de fim de juventude. Um curso de cupido e outro para arte cleptomaníaca de corações. Uma banda de baile com ritmos sem nome ou padrões para dançar. Janelas do tamanho da parede enfeitando um lar doce lar. Casa, comida e roupa lavada. Um amor à moda antiga e um núcleo familiar.

terça-feira, 26 de agosto de 2008

Meu sapo não vira príncipe


Confesso! Sem a necessidade de tortura ou penitências. Declaro abertamente aos meus inimigos a pior das minhas heresias. Amado deus, não me mande para o inferno na hora do juízo final. Sim, eu prefiro os feios. Seres estranhos, rejeitados, desengonçados, fracos, pálidos e falidos. Rostos assimétricos, pancinhas de cerveja, sandálias com o solado de cor branca e estampa surrada. Cabelos sem corte, barba por fazer, cheiro de álcool, olhar entorpecente. O andar de malandro, a pose desdenhada e madeixas despenteadas. Não quero juiz dando sentenças. Gosto mesmo e admito que as vezes é difícil disfarçar.

Cultivo por esses seres uma forma incomum de amor platônico. Tenho fome por modelos estranhos sem qualquer molde de estética corporal aprovada pela ABNT. Fico muda, boquiaberta, esparramada no piso como gato pedindo atenção. Pupilas dilatadas, ombros contraídos, olhar cabisbaixo, vergonhosa, mansa, manhosa. Minhas náuseas e olhar psicopata nem mesmo Freud consegue explicar. E se existe penitência para um pecado tão delicioso e cruel realizo sem reclamar mantras eternos só pra continuar a pecar.

Minha rendição é fatal, mas não para qualquer feio. Não pode ser fraco. Não preciso dos príncipes encantados. Prefiro os bobos da corte, sapos e patinhos feios. Palhaços sarcásticos com poemas de vingança verbal. Flores nos braços, roubadas e embrulhadas em papel jornal. Tem que ser um bom cozinheiro, um bom bebedor de líquidos entorpecentes, apreciador de romances policiais, contador de mentiras bobas – não necessariamente nessa mesma ordem e com alternativas também negociáveis.

Sofrerei pelo resto da vida dessa doença do “olhar torto” – o estrabismo da feiúra. Não me culpem amigos, nem digam que mereço coisa melhor porque não quero. É maldição de bruxa boa ou zica de fada má. É exatamente por eles que meu coração flerta e faz denúncias da minha sinceridade misturada com cantadas clichês. Quero gastar a vida desse modo e encontrar charme em imagens distorcidas nas mentes alienadas.

Eu sei que para Marinlyn Monroe “beleza é fundamental”, mas não é para apreciar é sim comparar. Amor e beleza não merecem discussão. Dois substantivos abstratos no universo das subjetividades. Vagos mas não rasos. Macios, delicados e relaxantes como um banho de chuva no calor do verão. E por falar em verão, quando vai chegar? Quero a luz do sol para destacar meus quadros expressionistas, pintados com a inspiração dos sorrisos que emoldurei dos feios que passaram ultimamente por aqui.

quarta-feira, 11 de junho de 2008

Depois do dia 12, vem Santo Antônio te cobrar


O dia é frio, mas as cores da decoração são sempre quentes. Tons variados de vermelho. Rosas e candelabros da mesma cor. A chama e a luz das velas destacam dois corpos em uma penumbra proposital. O tempo parado, o coração descompassado, a respiração... o diafragma, um mantra em fluídos quase mortais.

Lá fora, mendigando, almas perdidas pelo mundo. Metade delas, na verdade, procurando seu “meio par” (ou um par e meio). Algumas exalam ciúmes, raiva, outras somente tranqüilidade. Exalam ócio sentimental, preguiça, esforços em vão, energia potencial.

Depois do dia dos namorados, vem o dia de Santo Antônio – o santo casamenteiro. Preces, castigo pra imagem, simpatias. Nem todo enamorado quer casar, nem todo enlace tem namoro e nem toda relação é regra.

sábado, 31 de maio de 2008

Vida de desempregado


De amanhã, acorda. Vista para um lado e outro. Observa os móveis do quarto. Olha o relógio e ainda é cedo. Não, é tarde. Cedo e tarde pra quê? Não se sabe e nem importa a essa hora do dia. Acordar e levantar. Escova de dente, pasta de dente, dentes, água e toalha. Todo dia, o dia todo (logo após as refeições). Um espelho. Imagem distorcida vira carimbo esteticamente tecido. Os instrumentos: escova de cabelo, pinça, creme, protetor solar, batom.

O pijama não é velho. Presente da avó do último aniversário. É xadrez de tons claros. O companheiro do dia. O mais presente. Inseparável. Contém todos os fios de cabelo que insistem em não se perder pelo vento. Bactérias em simbiose.

Não há regras no ambiente. Não existem horários, tarefas ou compromissos. O telefone não toca e na caixa de emails só há spams. O dia não passa. Não existe razão para sair, comprar, badalar. O mundo é ócio que corrói o osso e fere o pensamento. A melancolia dos dias cinzentos e frios. A sobriedade das tardes claras. Tudo irrita, sufoca.

Estar no mundo é existir. Não há saída. Atividade e pensamento ocupam espaço pra vida passar mais rápido. Não existe razão, só a busca. Viver é comprar uma ilusão de ótica sem garantia.

A noite cai. Pijama no corpo. Escova de dente, pasta de dente, dentes, água e toalha. Todo dia até o fim do dia. Olha o relógio. Não é cedo e nem é tarde. Hora de esperar pelo amanhã, o mundo girar, a vida passar. Seu ciclo eterno de mudanças em retrospectivas.